Ronaldo, com barriga saliente, em 2006. Outros jogadores também chegaram bem acima do peso...
Seleção se apresentou sem ninguém, aparentemente, fora de forma. Acima do peso, Adriano ficou fora
Weggis é uma palavra que causa mal-estar na CBF. A bela e pacata cidade suíça de cerca de cinco mil habitantes entrou para a história do futebol brasileiro como sinônimo de festa, desorganização e exposição exagerada dos jogadores. E virou a grande vilã pelo fracasso da seleção na Copa do Mundo de 2006. Um clima de carnaval fora de época que passou a ser combatido quatro anos depois. Dunga gosta de se referir àquela preparação como exemplo de tudo o que não se pode fazer antes de um Mundial.
- É lógico que não vamos deixar que aconteça aqui tudo que eu vi e ouvi falar de Weggis - disse Dunga na primeira entrevista coletiva em Joanesburgo.
A mudança vai além da blindagem e do isolamento dos jogadores. Dunga fez questão de fechar com um grupo disciplinado, não tão chegado a badalações, focado em um objetivo. Quem não se enquadrou ficou pelo caminho.
Em 2006 vários jogadores se apresentaram ao técnico Carlos Alberto Parreira fora de forma. Ronaldo foi o maior exemplo. Chegou a Weggis perto dos 95kg. Nove a mais do que o peso ideal da Copa de 2002. Adriano também estava longe do ideal. Mas, na época, a comissão técnica preferia minimizar o assunto.
Dunga procurou tratar o assunto com cuidado. Avisou ao grupo que quem não se cuidasse estaria fora da Copa. O maior exemplo foi Adriano, que faltou a 13 treinos no Flamengo neste ano, teve muitos problemas pessoais e não conseguiu entrar em forma durante a temporada. A seleção se apresentou sem um jogador, aparentemente, estar acima do peso. Neste sábado, todos os atletas fizeram o mesmo trabalho físico. Ninguém está com uma programação especial. Na convocação para a Copa, o técnico deixou clara a opção pela dedicação integral à seleção.
- Eu adoro o Adriano, nós tentamos de todas as formas. Meu coração falou uma coisa, mas tem uma hora em que é preciso seguir a razão. Não poderia correr o risco de perder o grupo. Demos inúmeras oportunidades para ele recuperar a autoestima, a confiança - disse o treinador no dia da convocação para a Copa do Mundo.
Torcedora invade o campo para abraçar Ronaldinho. Foram várias outras tentativas, mas sem sucesso...
Em Joanesburgo, jogadores treinam longe dos torcedores e não são incomodados durante a atividade
Em 2006, houve o que a CBF classificou com um "Big Brother" com a seleção. Agora, Dunga resolveu blindar o grupo. Nada de torcedores, nada de exposição excessiva. Os treinos não podem ser transmitidos ao vivo, as entrevistas são bem limitadas. Nada de zona mista, quando de seis a oito jogadores passavam por um corredor cheio de jornalistas para dar entrevistas todos os dias. Em Joanesburgo, o contato só é feito por meio de coletivas. Normalmente dois jogadores escolhidos pela assessoria de imprensa. Neste sábado, não houve nem isso. Silêncio.
- Quero que vocês reflitam se são necessárias várias câmeras apontadas para os quartos dos jogadores. O "Big Brother" de Weggis não foi criado por nós, mas sim, pelos meios de comunicação, pelas novas tecnologias - disse o diretor de comunicação da CBF, Rodrigo Paiva, no primeiro dia em Joanesburgo, após ver câmeras e máquinas fotográficas viradas para o hotel da seleção.
Os 13 dias em Weggis tiveram treinos com venda de ingressos, arquibancadas lotadas. Os torcedores vibravam a cada lance e aplaudiam qualquer reação dos jogadores. Antes e depois das atividades uma sessão de shows de malabarismos com a bola. Os jogadores eram tratados como estrelas, perdiam quase uma hora distribuindo autógrafos. Pelo menos sete torcedores tentaram invadir o gramado do local de treinos. Uma conseguiu, para delírio do público, e enlouquecida agarrou e deu um beijo em Ronaldinho Gaúcho, que estava deitado no gramado na fase final de alongamento.
- Vamos dar o peso que o fato merece. Não deveria ter acontecido, mas não nos afetou em nada. Serviu até para descontrair o ambiente e deu notícia para vocês (da imprensa) - disse o supervisor Américo Faria na época.
O discurso, hoje, é diferente. O acesso à seleção brasileira tem sido um dos principais temas neste início de preparação. Os torcedores, por ora, não puderam ver os treinos em Joanesburgo - em Curitiba, foram três treinos abertos. Até os alunos da Randburg High School - local em que os jogadores estão trabalhando - foram orientados a não se aproximar do campo onde estava a seleção brasileira para observar a atividade.
O "The Fairway", hotel onde a delegação está hospedada, fica dentro do complexo de um clube de golfe. Em volta, um grande tapume foi montado para garantir a privacidade e evitar a visibilidade. O acesso ao local é bastante controlado. Bem diferente do que aconteceu no Park Hotel Weggis, o cinco estrelas onde a seleção ficou há quatro anos. A única medida na época foi a instalação de uma baixa grade para evitar o acesso de quem passava pela rua. Qualquer pessoa conseguia ver, por exemplo, as janelas dos quartos dos jogadores.
- Apesar das limitações, a seleção brasileira é uma das mais abertas do mundo ainda. Não tenha dúvida que 2006 foi um fator fundamental para a mudança de comportamento. A CBF foi muito criticada por ter muitos torcedores e jornalistas nos treinos. O assédio agora praticamente não existe pelas limitações que criamos de acesso - disse Rodrigo Paiva.
Neste sábado, os jogadores foram liberados pela primeira vez para sair da concentração. Mas Dunga proibiu badalações e marcou hora para todo mundo voltar: 22h (17h de Brasília). Kaká, Julio Baptista e Julio Cesar preferiram ficar jogando golfe. Luis Fabiano, Elano, Gomes, Grafite, Doni, Felipe Melo e Gilberto Silva foram passear rapidamente em um shopping. Entraram em uma loja de eletrônicos e tomaram sorvete. Em Weggis, tudo foi diferente. Ronaldo, Roberto Carlos, Adriano, Emerson e outros jogadores curtiram a noite de Lucerna, uma boêmia cidade suíça localizada a 30 minutos da concentração.
No dia seguinte, os jogadores estavam na capa do jornal suíço "Blick". Ronaldo brincava de DJ. Emerson e Roberto Carlos apareciam ao lado de mulheres. A presença na boate Night Live causou mal-estar com a comissão técnica.
Nos últimos quatro anos muito se falou sobre Weggis. Roberto Carlos garantiu que nada fora do normal foi feito na preparação na cidade suíça. Já Ronaldo criticou o período de treinos antes da Copa do Mundo. Gilberto Silva buscou defender os companheiros mais perseguidos após o fracasso em 2006.
- Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo mereciam estátuas no museu do futebol brasileiro e até futebol mundial pelo o que fizeram. Mas sempre quando se perde a gente quer achar culpados - disse o volante no início da preparação em Curitiba.
Técnico da seleção brasileira em 2006, Carlos Alberto Parreira apoia a nova postura da comissão técnica. Defende que a seleção brasileira precisa de privacidade para trabalhar. Um discurso bem diferente de quatro anos atrás.
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